Esse conto é das antigas, escrevi já faz algum tempo, mas gosto muito dele. Espero que você também! Eu de você clicava na música do The Doors para servir de trilha sonora da leitura.
Feliz Natal Jack Kerouac!
Nada mais que coincidência. Só
pode ser. Combinado é que não foi, não faz sentido. Foi fechar o portão de casa
e entrar no meu Opalão 64 velho de guerra, para uma chuva que estava ali só
esperando eu colocar os pés na rua cair feito um dilúvio, e me pegar de calças
curtas literalmente.
Pelo ritmo forte que a água despencava
em menos de horas Curitiba toda estaria alagada com certeza. Não havia muitas
opções, já se passavam das quatro da tarde e tinha prometido pros velhos que
chegaria sem falta pra ceia de Natal. E ai de mim se não chegasse. Se bem que o
tempo estava a meu favor. Sempre fui um cara prevenido e estava muito
adiantado. Afinal, da Capital até Guaratuba onde os velhos moram eram menos de
duas horas.
Quando consegui sair dos enormes
engarrafamentos que se formavam na saída da cidade e pegar finalmente a estrada
em direção ao litoral, liguei o rádio e Jim Morrison cantava em alto e bom som
: “Riders On The Storm “. Coincidências à parte uma das minhas preferidas dos
Doors.
A chuva aumentava de tal maneira
que meus limpadores de pára-brisa começaram a não dar conta do serviço. Era
muita chuva. Não conseguia enxergar nada, era muito arriscado, não havia outra
opção senão estacionar o Opalão no acostamento e esperar aquele pé d'água
passar. Esperei por mais de meia hora e o ritmo da água não diminuía nem com
reza. Não havia muito o que fazer a não ser escutar aquela única e solitária
rádio que eu sintonizará na saída de Curitiba e que em menos de uma hora havia
tocado “Riders On The Storm “, pelo
menos duas vezes.
Por incrível que pareça, aquela
situação de inércia em que eu estava envolvido ali no meio daquele dilúvio, me
deu sono. Estava quase dormindo quando ouvi uma batida no vidro do lado do
passageiro. Assustei-me ao ver que era uma pessoa batendo e gesticulando sem
parar. Aquele vulto indefinido em meio à chuva me deixou nervoso. Liguei o
carro e não pensei duas vezes, na possibilidade de ser um assalto ou coisa que
o valha. O Opalão foi saindo devagar e pelo retrovisor o vulto indefinido foi
ficando para trás quando: “Riders On The Storm”, tocou pela terceira vez naquela
tarde. Meus pés agiram por contra própria ao frear o carro. Olhei novamente e o
vulto permanecia parado no acostamento. Algo me dizia que eu deveria voltar e
ajudar aquela pessoa. Não podia deixar quem quer que fosse ali no meio daquele
aguaceiro de jeito nenhum. Voltei, abri a porta e ele entrou.
-Vou ensopar todo o seu banco!
-Não esquenta a cabeça. Entra ai
rapaz!
O cara tinha um sotaque meio
americano. Disse-me que não bateu no meu vidro para pedir carona, e sim para
perguntar se eu tivera um treco. Ele gostava de andar, me confessou que não
existe coisa melhor que andar debaixo de chuva. Pareceu-me ser uma boa pessoa,
não era lá de muita conversa e sequer me disse seu nome quando perguntei. E
assim que a chuva diminuiu descemos rumo ao litoral. Ao chegarmos em Matinhos
me pediu que o deixasse-se num posto de gasolina, pois precisava trocar de
roupa e tomar um banho quente. Sem muita conversa nos despedimos e segui rumo a
Caiobá.
A cidade parecia ilhada. Se em
Curitiba a chuva caiu forte ali não tinha sido diferente. O mar estava
revoltadíssimo. A cidade estava ilhada e já se passavam das oito horas da noite
quando consegui chegar ao Ferry- Boat, que me levaria até Guaratuba. Havia
muita confusão no local e um guarda rodoviário que tentava colocar ordem na
situação veio ao meu encontro.
-O senhor ia pra Guaratuba?
-Ia por quê?
-Aconteceu um acidente essa tarde
e o serviço só vai ser normalizado amanhã de manhã!
-O que aconteceu?
-O Ferry-Boat virou no meio da
Tempestade com mais de cinqüenta carros em cima, uma tragédia. A defesa civil
calcula que pelo menos duzentas pessoas estão desaparecidas em alto mar!
-Puta que merda!
Virei o carro em direção a Caiobá
e no primeiro orelhão que encontrei liguei para minha mãe, que a essa altura do
campeonato estava desesperada achando que eu estava no Ferry- Boat que virou.
Avisei-os que assim que o serviço normalizasse atravessaria o mar e com certeza
passaria o dia de natal com ela.
Nada mais me restava a não ser
procurar um hotel, tomar um banho e dormir um pouco. E quem disse que havia
vagas disponíveis nos hotéis de Caiobá. Rodei por toda a cidade e nada. Não me
restava outra opção, senão ir até Matinhos. A via-sacra se repetiu e o relógio
marcava dez e meia da noite quando desisti de procurar um hotel. Dormiria no
Opalão mesmo.
Fui até um posto de gasolina e
decidi: Passaria meu natal ali, no balcão de uma lanchonete de beira de estrada
tomando cerveja. Assim foi, quando faltavam exatos vinte minutos para meia
noite a rádio da lanchonete começa a tocar Rider On The Storm, e sinto uma mão
no meu ombro:
-Hey Man!
Era o cara que eu havia dado
carona na estrada. Ele estava não só com outra roupa, mas com um semblante mais
suave. Parecia mais tranqüilo. Sentou-se comigo e fomos derrubando cervejas uma
atrás da outra. Parecia outra pessoa. Contou-me que era um errante estradeiro.
Que gostava de sentir a liberdade que só
uma vida sem destino pode proporcionar. Suas histórias eram incríveis. Rodou
por quase toda América, conhece seu País como poucos. Quando eu disse para ele
que aquelas histórias dariam um livro fantástico ele deu sonoras gargalhadas, e
disse que pensaria no caso.
Divertimos-nos e as horas
passaram muito rápido. Os rojões espocavam em meio a chuva lá fora e dentro da
lanchonete todos se cumprimentavam. Meio que na surdina era meia noite e
finalmente o Natal chegara. Virei-me para meu companheiro easy rider, e
apertando forte sua mão disse:
-Como o tempo passou?
-Merry Crhistmas Man!
-Feliz Natal....
-Jack!
-Jack?
-Jack Kerouac!
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