Entre o que está por vir e o que já passou
Ser criança é bom, né? Só quando
se é criança quebrar o braço não é uma tragédia é uma travessura. Pular o muro
pra pegar mexerica não é roubo é irresponsabilidade. Andar de bicicleta às duas da tarde em plena segunda-feira
não é vagabundagem é falta do que fazer.
Quando criança jogar bola é mais
que obrigação é hábito. Um dia sequer sem jogar futebol com os amigos do
campinho de terra batida é crime inafiançável.
Não tinha tempo ruim não, quando
pivete joguei betz até fazer calos nas mãos. Jogávamos com bola cheia, bola
murcha e bola de meia. As casinhas quando não eram feitas de tijolos eram de
latas de óleo roubadas da lata de lixo do único burguês da rua.
Como pobreza e infância sempre
foram nome e sobrenome na minha família, nunca fui sócio de clube algum.
Piscina só conhecia de ver na novela até o CSU (Centro Social Urbano), ser
inaugurado e com ele uma piscina “di grátis”. Cruzava a cidade na chinelinha
toda segunda, quarta e sexta para molhar os ossos. Só ali, no teste para entrar
na água, é que descobri que existia a necessidade de cortar as unhas dos pés.
Micose? Caramba, sabia da existência disso não, pra mim Micose era uma doença
venérea. E a água, além de uma delicia me apresentou a fome. Chegava em casa
mais faminto que o Ed Motta na ceia de Natal.
Ao invés de caçar Pokémon, caçava
briga na saída da escola, caçava moedas no chão da Festa Junina da Igreja,
caçava passarinho no fundo da casa da Tia, caçava figurinha repetida pra trocar
no intervalo da escola e caçava confusão com a vizinha que tinha pernas mais cabeludas que a minha.
Acompanhar meu Avô até o Bar pra
comer maria mole, doce de abóbora, paçoquinha e tomar sodinha era melhor que
comer carne. Até porque, carne era algo raro em casa, só finais de semana,
Natal ou quando recebia visita de parente.
Engraçado pra uma criança é ver o
pai e Mãe dizendo todo dia que estavam sem dinheiro e quando os parentes
apareciam para visitar brotar pão doce, broa de milho e até pudim no café da
manhã. A única coisa que passava pela minha cabeça de criança era: “Nossa, bem
que essas visitas poderiam morar aqui em casa!”
Aos 7 anos, quando tomei minha
primeira Coca-Cola quase molhei as calças de tanto prazer. Aquilo era tão bom que
quando dormia sonhava que quando rico fosse, o filtro de casa não ia ter Água.
Só Coca.
Quando criança, era impossível
olhar pro céu azulzinho, sem uma nuvem e não correr para casa soltar Pipa.
Quando descobri que pra derrubar a pipa dos moleques do outro bairro era só
passar caco de vidro na linha me senti o filho do Hitler. Cada pipa derrubada
era comemorada com um copo de Ki-Suco e uma fatia de pão com mortadela.
Se tenho saudades de quando era
criança? Sim! Mas, não gostaria de ser criança nos dias de hoje. Até porque, na
idade que estou só tenho passado e muito pouco futuro ao contrário das crianças
que só tem futuro. E entre o que está por vir e o que já passou, prefiro a
segunda opção.
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