segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Entre o que está por vir e o que já passou

Entre o que está por vir e o que já passou

Ser criança é bom, né? Só quando se é criança quebrar o braço não é uma tragédia é uma travessura. Pular o muro pra pegar mexerica não é roubo é irresponsabilidade.  Andar de bicicleta às duas da tarde em plena segunda-feira não é vagabundagem é falta do que fazer.

Quando criança jogar bola é mais que obrigação é hábito. Um dia sequer sem jogar futebol com os amigos do campinho de terra batida é crime inafiançável.

Não tinha tempo ruim não, quando pivete joguei betz até fazer calos nas mãos. Jogávamos com bola cheia, bola murcha e bola de meia. As casinhas quando não eram feitas de tijolos eram de latas de óleo roubadas da lata de lixo do único burguês da rua.

Como pobreza e infância sempre foram nome e sobrenome na minha família, nunca fui sócio de clube algum. Piscina só conhecia de ver na novela até o CSU (Centro Social Urbano), ser inaugurado e com ele uma piscina “di grátis”. Cruzava a cidade na chinelinha toda segunda, quarta e sexta para molhar os ossos. Só ali, no teste para entrar na água, é que descobri que existia a necessidade de cortar as unhas dos pés. Micose? Caramba, sabia da existência disso não, pra mim Micose era uma doença venérea. E a água, além de uma delicia me apresentou a fome. Chegava em casa mais faminto que o Ed Motta na ceia de Natal.

Ao invés de caçar Pokémon, caçava briga na saída da escola, caçava moedas no chão da Festa Junina da Igreja, caçava passarinho no fundo da casa da Tia, caçava figurinha repetida pra trocar no intervalo da escola e caçava confusão com a vizinha que tinha  pernas mais cabeludas que a minha.

Acompanhar meu Avô até o Bar pra comer maria mole, doce de abóbora, paçoquinha e tomar sodinha era melhor que comer carne. Até porque, carne era algo raro em casa, só finais de semana, Natal ou quando recebia visita de parente.

Engraçado pra uma criança é ver o pai e Mãe dizendo todo dia que estavam sem dinheiro e quando os parentes apareciam para visitar brotar pão doce, broa de milho e até pudim no café da manhã. A única coisa que passava pela minha cabeça de criança era: “Nossa, bem que essas visitas poderiam morar aqui em casa!”

Aos 7 anos, quando tomei minha primeira Coca-Cola quase molhei as calças de tanto prazer. Aquilo era tão bom que quando dormia sonhava que quando rico fosse, o filtro de casa não ia ter Água. Só Coca.

Quando criança, era impossível olhar pro céu azulzinho, sem uma nuvem e não correr para casa soltar Pipa. Quando descobri que pra derrubar a pipa dos moleques do outro bairro era só passar caco de vidro na linha me senti o filho do Hitler. Cada pipa derrubada era comemorada com um copo de Ki-Suco e uma fatia de pão com mortadela.

Se tenho saudades de quando era criança? Sim! Mas, não gostaria de ser criança nos dias de hoje. Até porque, na idade que estou só tenho passado e muito pouco futuro ao contrário das crianças que só tem futuro. E entre o que está por vir e o que já passou, prefiro a segunda opção.

Nenhum comentário:

Postar um comentário