Tem certas horas que sinceramente me pego pensando: ”-Será que sou só eu que passo por isso?” Acho que não, impossível!
Confesso que fico até inseguro em afirmar, mas tem certos dias que se houvesse a possibilidades de Entrar Mudo E Sair Calado em todo o período que meus olhos permanecessem abertos, eu gostaria de tentar.
Falar pra que?
Em plena era de indescritíveis avanços tecnológicos não entra na minha cabeça que ainda não inventaram um código, um sinal em comum, uma espécie de seta sinalizadora que estrategicamente posicionada em nossas testas indicaria nosso estado de espírito. “-Hoje não quero falar!”, “-Morri e esqueceram de enterrar!”, “-Dá um tempo, que hoje estou sem-senso!”. Esse tipo de invento com certeza desburocratizaria e muito nossas relações com extrema facilidade, fazendo com que não houvesse a necessidade de infelizmente ficarmos bancando o gentil, o educado, o camarada e ficar fazendo tipo quando o que se quer é somente permanecer tão ou mais calado que o armário embutido da cozinha.
Mas como diria o ancião Pré-Socrático Lulu Santos: “-Para Toda Mal a Cura”.
E analisando mais friamente, já que a tecnologia não avançou a ponto de nos ajudar nesse sentido, em dias que fazemos questão de permanecer calados a maior parte do tempo, o que temos que fazer é nos virar solitariamente e procurar um local adequado para praticarmos esse isolamento por conta própria. E não existe lugar mais ideal para se praticar essa espécie de “mudismo pessoal”, essa “falta de interesse comunicativo”, do que a sala de espera de um consultório odontológico.
Eis o local ideal para se entrar mudo e sair calado. Essa verdadeira ante-sala do paraíso da falta de comunicação coletiva deveria ser tombada pelo Patrimônio Histórico, tamanha sua utilidade para seres que cultivam o hábito de se absterem do diálogo com maior freqüência.
E mesmo estando com meus dentes em dia, sem a necessidade de sequer uma visita rotineira, fiz questão de inventar uma desculpa qualquer para minha dentista (“-Tomei uma limonada gelada e os dentes que compõem a zaga central, ratearam incisivamente, estou que não me agüento em dor!”), apenas para realizar uma visita a seu consultório.
Estou lá sentado a exatos (e graças a Deus, solitários), quinze minutos, quando surge um casal. Mas não era um casal qualquer não (desses que estamos acostumados a encarar, vaticinar e jogar na vala comum), o casal em questão era um tamanho família. Ela tão ou mais redonda que uma couve-flor e ele imenso como um boi num agasalho esportivo. Sentaram ao meu lado e feito eu colocaram-se a assistir a doce e canhestra performance da Angélica no comando de um game-show.
O silêncio que se fazia na sala era tal, que havia a possibilidade de cortá-lo com faca (o que com certeza o casal comeria com prazer). A mulher Couve-Flor ocupava seu tempo folheando uma revista de fofocas que trazia a incrível matéria sobre um Padre Palottino que cochilou a sombra de uma àrvore e dormiu por exatos vinte anos, enquanto o Homem-Boi parecia insatisfeito com o que via na televisão. Parecia indignado com as bizarrices que a loira fazia. Esse homem se virava de um lado para o outro, e voltava a encarar a televisão, olhava desolado para a mulher, analisava as rachaduras do teto, até que me visualizou. Na hora senti que ele ia puxar assunto.
Dito e feito.
-Cada vez que tenho a infelicidade de assistir a um programa desses de imediato me vem no pensamento à possibilidade do estado ser condenado a indenizar-nos por tamanha idiotice!
Quando estava me preparando para respondê-lo (e me auto-trair, pronunciando as primeiras palavras do dia, exatamente às 14:45 minutos), a porta que dava acesso a cadeira da dentista se abriu e surgiu sua assistente.
-A Doutora Elisabeth pede desculpas, mas vai dar uma pequena paradinha de vinte minutos para um lanche e voltará a atender em seguida.
A Mulher Couve-Flor que até então estava em estado de completa letargia, levantou-se furiosa do sofá e com um tom de voz alterado (tão ou mais agressivo que a de uma rebelião de sogras), foi de encontro a assistente.
-Pois diga a ela que eu vou me embora, estou que não agüento de dor! Onde já se viu, faz uma semana que marquei essa consulta, estou vivendo a base de anestésicos e chega na hora de me atender vai almoçar, isso não existe!
A assistente ainda tentou contornar a situação.
-É coisa rápida, uma simples marmitinha, a base de Alface e Brócolis, ela está desde as oito da manhã sem colocar nada no estômago!
Sem muito sucesso.
-Onde já se viu deixar a gente plantado feito idiotas aqui, isso é um insulto, não sei onde estou com a cabeça que não entro a força nessa sala e faço ela engolir esse rabanete por outro buraco!
O Homem-Boi pegou-a pelo braço, antes que sua esposa tomasse a iniciativa de entrar na sala da dentista e além de esbofeteá-la, comer sua marmita, retirou-a do consultório o mais rápido que pode. A petrificada assistente me encarou no sofá, e ainda encontrou forças para me perguntar.
-O senhor vai aguardar?
Fiz apenas que sim, com a cabeça!
-Fique a vontade, se precisar de alguma coisa é só falar.
Ela já havia virado as contas, estava em vias de fechar a porta e tomar uma água com açúcar, quando eu me contrariei e pronunciei as primeiras palavras do dia.
-Moça!
-Pois não?
-Posso lhe pedir um favor! Tem como desligar a televisão?
-Claro!
E assim que a garota entrou, o silêncio se fez presente novamente.
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