terça-feira, 26 de abril de 2011

Ser sobrinho é bom pena que dura pouco

Eu, Eu Mesmo & Tia Irene


Passar momentos da infância ao lado de uma tia solteirona é o mesmo que entrar com uma camisa do Atlético num ônibus lotado de torcedores do Coxa. Uma experiência indescritível.

Aos oito anos de idade já me consideravam o veterano da rua quando o assunto era cinema. Graças a minha Tia Irene, cinéfila apaixonada que me usava como eterna companhia em suas sessões pipoca. Só dava eu e minha tia nas matinês dominicais do velho Cine Mauá. Meu vicio em Bruce Lee adquirido através dela era tão grande que eu fazia questão de contar o número de vítimas que o mestre fazia durante a projeção. Um filme com menos de 40 corpos estatelados no chão para mim era considerado fraco. Deixa o Rubens Edwald Filho saber disso!

Durante três anos ininterruptos nossa presença era tão constante no cinema que tanto o pessoal da bilheteria quanto o lanterninha já nos chamavam pelo nome. E por nossa óbvia situação de penúria financeira por várias vezes até fiado fizeram pra gente. Tantos os ingressos quanto às pipocas, claro.

Tudo ia às mil maravilhas até minha mãe me pegar no flagra no fundo do quintal tentando colocar em prática os golpes do velho Lee em nosso cachorro. Moby Dick. Que ao contrário da baleia, era vegetariano. Não por opção, mas por falta de carne mesmo. Afinal, só surgia um bife em nosso prato em dias que recebíamos visitas em casa. Ou seja: Natal, Ano Novo e olhe lá.

Sem poder me carregar mais ao cinema Tia Irene me levava então a festas de tudo quanto é tipo que iam desde aniversários de suas companheiras de Magistério (Uma mais cochuda que a outra. Bons tempos aqueles que bunda dura e pernas torneadas eram quesitos imprescindíveis de uma “boa” Professora), passando por Festas Juninas regadas a doces dos mais diversos possíveis (Numa dessas festas além de ficar grogue com meio gole de quentão, pela primeira vez na vida fiquei acordado até as duas horas da manhã, feito esse que por algum tempo me manteve no Posto de “fodão da rua”), fora os casamentos que ela me arrastava constantemente. Como o povo casava naquela época. Só existiam duas coisas que do auto dos meus oito anos de idade intrigavam-me em minha tia. Porque todas as suas amigas tinhas maridos ou namorados menos ela? Qual era o motivo de todo dia ela ir até uma gigantesca caixa de remédio que ficava em cima do Balcão e tomar comprimidos de manhã, à tarde e a noite?

Numa festa de Natal ao vê-la no chão da garagem se contorcendo toda em um estado deplorável entendi. Mas não compreendi, ao ouvir minha Avó acudindo-a e gritando ao culpado pelo estrago. “-O médico não falou que ela não pode misturar o Gardenal com bebida Quem foi que deu vinho para a Irene?”

Coitada da minha Avó. Estava muito brava. Imagino o quão brava ela poderia ficar se soubesse que além de beber, a tia fumava escondido de todo mundo. Menos de mim, é óbvio!

A amizade entre nós permaneceu anos a fio de maneira inabalável. A alegria que transmitíamos a quem estivesse ao nosso lado era algo indescritível. Riamos muito. Lembro que uma vez ela me surpreendeu dando abraços e prestando-me elogios rasgados na frente de toda a família num almoço de Domingo. “- Um adulto pode aprender muito com uma criança!” E me abraçando mais forte completou. “-Eles vivem cada dia de uma vez e com alegria de dar inveja a qualquer um ao apreciar as coisas mais simples que a vida pode proporcionar!” Um silêncio se fez na cozinha. Todos se entreolhavam meio que constrangidos até eu quebrar o gelo completando seu discurso . “-Liga pra ela não pessoal. Tia Irene não tomou seu remédio ainda!” A casa veio abaixo de risos.

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