A previsão do tempo havia
antecipado 35, os termômetros marcavam 38, mas a sensação dentro do carro de
Everaldo era de mais de 40 graus. Descida da serra, longas curvas em seqüência,
bebê recém nascido chorando, sogra tendo espasmos, filho mais velho e namorada
putos sem internet e esposa falando mais alto que um barítono faziam com que o
auxiliar de contabilidade a cada quilômetro repensasse se passar o Ano Novo na praia
teria sido boa ideia.
-Pai, liga o ar! Está escorrendo
suor pelos braços, vou manchar minha camisa nova! -Disse o filho. Logo repreendido pela mãe: -
Você sabe que seu irmãozinho tem rinite alérgica, não sabe Wellington? O
moleque está cagando desde o começo da serra, você quer que ele comece a
espirrar também?
-Não é por nada, Dona Maristela,
mas pelo menos os vidros a senhora poderia deixar a gente abrir, né?Até no deserto
do Saara está menos calor que aqui. Tentou defender o namorado, a futura, agora
talvez, muito provavelmente, ex-nora.
-Impossível, Daiane, minha
querida. Mamãe gastou no salão a primeira parcela todinha do décimo terceiro da
aposentadoria nesse penteado, não podemos deixar que o vento faça com que ele
nem ao menos na praia chegue intacto.
Everaldo não resistiu: - Cobra
com cabelo. Riu: - Isso dá é pauta para o Globo Ciência!
Maristela resignada ia repreender
Everaldo, mas o marido foi salvo pelo pequeno Kaique que começou a urrar feito
um unicórnio nos braços da mãe. Sua chupeta havia caído no chão dando início a
uma verdadeira caça ao tesouro dentro do carro, que definitivamente se
transformaria na filial do inferno.
-Ajuda tua mãe Welligton, enfia a
cabeça embaixo do banco vê se a chupeta do teu irmão está nos pés da tua Vó?
-Me recuso! A Vó está de chinelo,
com meia de lã e pisoteando um pacote de Cebolitos. O cheiro lá embaixo está
mais forte que o do curtume perto de casa.
Everaldo faz uma curva abrupta, a
criança chora, a sogra gorfa e Martistela grita: -É pra isso que a gente cria filho?
O vagabundo não presta nem pra procurar uma chupeta!
Everaldo, a essa altura com um
pregador no nariz, fala baixinho de forma anasalada : - Estou sentindo uma
quentura nas costas, tua mãe não vomitou no meu banco não, né Martistela?
A Sogra levanta, como troféu, um
saquinho de mercado e reprimi o genro: - Tá tudo aqui ó! Eu lá sou mulher de
vomitar no banco do carro dos outros!
- Pai, para esse carro que eu
quero descer! Maristela solta outro berro: -Cala essa boca e procura a chupeta
do teu irmão, Wellington!
O neném se esguela, os pneus do
carro cantam mais que o Lulu Santos em mais uma curva e Maristela grita mais
alto ainda: - O vontade de jogar esse moleque no meio do mato.
Welligton aproveita : - Faz isso
mãe, pelo menos entra um ar pela janela!
Everaldo avista uma lanchonete,
abre as janelas estaciona e grita:- Salvos pelo gongo!
A família ficou exatos 40 minutos
no restaurante. Comeram, beberam e voltaram para a estrada mais relaxados. O
ambiente mudara totalmente, parecia o céu. Everaldo acelerou e rodou mais de
200km em menos de uma hora. Todos quietos, tranquilos e o caos de antes da parada
se transformou num oásis de paz, calma e felicidade até Maristela receber uma
ligação
.
-Gente vocês não vão acreditar? É
minha mãe. Esquecemos ela no restaurante!